segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

REPORTAGEM - *Conhecendo a Bolívia

Por Radígia de Oliveira (texto e fotos)

Que tal visitar uma feira onde o principal produto vendido é folha de coca, avistar o mais alto lago do mundo, colocar os pés em um deserto branco de puro sal, entrar em contato com culturas milenares, conhecer Copacabana sem ir ao Rio de Janeiro e fotografar um Cristo que, dizem os nativos, é maior que o Redentor? Mais: ir às compras, achar tudo barato e ter a sensação de estar em outro mundo?

Basta passar 30 dias na Bolívia. O exótico país comandado por Evo Morales, um descendente indígena da cultura Aymara, tem mesmo muito gás. Não apenas o natural, motivo de estremecimento nas relações com o Brasil e países como a Espanha, mas para oferecer aos visitantes despidos de preconceitos.

A Bolívia é pobre sim, há pedintes pelas ruas, trabalho infantil, mineiros que vivem em média 45 anos, má distribuição de renda (na América do Sul, só concorre com o Brasil). Foi palco de várias civilizações (Inca,Tiwanaco). No século 19, perdeu a Guerra do Pacífico, que custou a saída para o mar, hoje território chileno. Perto da Copacabana boliviana (praia formada pelo Lago Titicaca) há um monumento (foto) de inconformismo com a situação: “O que um dia foi nosso, nosso outra vez será”, diz o texto ilustrado com dois soldados. O boliviano aponta a espingarda para o chileno, que sangra.

De maioria indígena (60% dos quase 9 milhões de habitantes), o povo boliviano é reservado, conserva hábitos milenares, como mascar a folha de coca para aliviar os efeitos da altitude e da fome, e fala dois idiomas além do espanhol (quéchua e aymara). Colonizado pela Espanha, o país foi explorado durante séculos. Como o Brasil pelos portugueses. Levaram prata, estanho, sal. Resta o gás. A população sabe disso. Talvez por isso apóie a chamada “nacionalização” do gás, movimento promovido pelo presidente Morales.

Erlinda Jacome, 23 anos, vive na zona rural de Sucre, a capital constitucional da Bolívia. Não conhece a internet, apesar dos vários pontos existentes no país, mas tem opinião firme sobre a medida presidencial. Para ela, a riqueza boliviana (o gás) chegará aos mais pobres com a melhoria da educação e com a geração de emprego. A opinião de Erlinda é semelhante à de vários bolivianos. “O gás estava muito barato”, comenta um taxista da cidade de Santa Cruz de La Sierra.

Erlinda e uma das irmãs ajudam a mãe a vender bolsas artesanais no centro da capital onde falta emprego e sobram pedintes, principalmente idosos e crianças. Seu sonho não é terminar os estudos (parou no ensino fundamental) ou constituir família e, sim, ser doméstica na Espanha, onde receberá em euros (moeda bem mais forte que o boliviano). Chegou perto, mas foi barrada na fronteira com a França por falta de visto.

Preços - O motivo que atrai Erlinda para o exterior (a moeda), também leva muitos turistas estrangeiros para a Bolívia, principalmente europeus. Brasileiro, mesmo com a facilidade promovida pela extensa fronteira com o país tropical/andino, é mais difícil de ser encontrado, apesar de *um real ser equivalente a quatro bolivianos e *um dólar valer oito. O euro, ainda mais. Em La Cancha, considerado o maior mercado livre da América do Sul, localizado na cidade de Cochabamba, é possível comprar de tudo com muito pouco. Bons sapatos, por exemplo, saem por *100 bolivianos (12,5 dólares ou R$ 25).

Os preços são mesmo baixos, mas, não muito raro, eles podem variar de forma estranha. Em Uyuni, cidade famosa pelo deserto de sal de mesmo nome (foto do hotel de sal localizado no meio do deserto),
resultado de uma época remota em que o local era mar, o dono do café no centro da cidade pode simplesmente dizer que o valor aumentou, “mas o cardápio não foi atualizado”. No restaurante Sumac Orcko, em Potosí, outrora a cidade mais rica das Américas por causa da mina de prata, algo parecido: dois cardápios com preços diferentes.

No terminal da Cidade de La Paz, a capital administrativa da Bolívia, surpresa na hora de comprar as passagens de ônibus para Cochabamba: o valor de *30 bolivianos (3,75 dólares) pode ser reduzido para 25 porque a atendente resolve dar um desconto sem ninguém pedir e, assim, devolver um troco inesperado. A alegria pode durar pouco porque o ônibus da empresa, no caso, a Cosmos, pode quebrar a uns 40 quilômetros de Cochabamba. A opção é pegar um veículo tipo lotação/perua para conseguir chegar ao destino.

Na cidade de Tiwanaco, o estrangeiro paga *80 bolivianos para visitar as ruínas; o nativo, dez (pouco mais de um dólar). Na mansão construída pelo mineiro e, depois, dono de mina Simon Patiño, em Cochabamba, a diferença não chega a tanto. Turista paga 20 (2,5 dólares) e boliviano, a metade. Imitações de pinturas do Vaticano estão entre as várias decorações da casa, atualmente um centro de atendimento social.

Altitude – É fato: a altitude de algumas cidades incomoda até os moradores de Brasília, acostumados com a seca e com a falta de oxigênio, características típicas de locais altos, mas não custa lembrar que a capital brasileira está cerca de mil metros acima do nível do mar; a cidade de La Paz, a 3.650.

Para diminuir os efeitos do “soroche” (dor de cabeça, tontura), o chamado mal da altitude, o ideal é, além de tomar um chá de coca, começar a visita ao país pelas cidades mais baixas, como Santa Cruz de La Sierra. Santa Cruz fica a pouco mais de 460 quilômetros acima do nível do mar e é normal a temperatura local superar 30 graus. Em compensação, nunca passa dos 20 na cidade de La Paz e pode sim chegar a 20 graus, mas negativos, no Salar de Uyuni, o maior deserto de sal do planeta. Com tanta variação, o visitante deve estar prevenido com roupas para todas as estações.

Estradas – As estradas bolivianas provocam arrepios mesmo quando o visitante não passa pela mais famosa rodovia do país. Conhecida pelo número de acidentes e altos precipícios, a “Estrada da Morte” liga La Paz a Coroíco, a região das Yungas, onde o cultivo de folhas de coca é legal. O apelido não é exagero. A rodovia é a mais perigosa do mundo, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Cai um ônibus a cada duas semanas. Detalhe: ninguém nunca sobrevive.

As estradas também podem ser bloqueadas a qualquer momento, situação comum no país. Além disso, os donos e/ou motoristas de ônibus podem entrar em greve. Sem desespero. A viagem de avião custa cerca de *60 dólares (primeira classe porque, para os turistas, parece nunca haver passagens para a segunda) e em alguns trechos, há a opção de trens (Potosí-Ururo, por exemplo).

Enquanto os Estados Unidos se armam até os dentes contra o “terrorismo”, algo inusitado pode ocorrer na hora do check-in boliviano: os atendentes não pedirem um único documento. Mais tarde e, claro, por medida de segurança, os policiais podem reter um quase inocente corta-unhas. Ah, é obrigatório tomar vacina contra a febre amarela antes de viajar para a Bolívia e guardar o comprovante, porque ele é exigido no aeroporto sim.

Comida – Na Bolívia, não é aconselhável comer nada na rua, mas um churrasquinho de gato ou, quem sabe, de “lhama”, não deve matar ninguém... A lhama é o animal próprio da região andina e está para a Bolívia como a carne de vaca está para o Brasil. O povo andino também aprecia o quinua, algo parecido com um arroz integral. O milho freqüenta muitos pratos e é a base de uma típica bebida alcóolica indígena, a chicha. O lago Titicaca é fonte de algo mais familiar para os brasileiros: o salmão e a truta.


10 atrações
-Cristo de Cochabamba
-Isla del Sol
-Lago Titicaca, em Copacabana (foto)
-Mansão de Simon Patiño, em Cochabamba
-Mercado das Bruxas, em La Paz
-Mercado La Cancha, em Cochabamba
-Mercado do Calvário, em Potosí
-Mina de Potosí
-Museu da Coca, em La Paz
-Salar de Uyuni

*Texto resultante de viagem para a Bolívia em 2006

Sobre a Bolívia, leia também neste blog:
A linguagem da mina de Potosí
Museu da Coca, Coca-Cola e Freud
Dicas de transporte, hotéis, cafés...

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