domingo, 4 de janeiro de 2009

REPORTAGEM - *Museu da Coca, Coca-Cola e Freud

Por Radígia de Oliveira (texto e fotos)

O Museu da Coca fica escondido no meio do Mercado das Bruxas, em La Paz (foto), capital administrativa da Bolívia. O estabelecimento ajuda o visitante a entender a história do país e de sua planta milenar, a folha de coca, hoje cultivada principalmente em duas regiões: Yungas, norte La Paz, e Chapare, trópico de Cochabamba.

Apenas nas Yungas o cultivo é legal, mas até 12 mil hectares. O limite, considerado suficiente para o uso tradicional pelos nativos, não é cumprido, mas está na lei nº 1008, de 1988. Nem sempre foi assim. Para os indígenas Aymaras e quéchuas, maioria do povo boliviano, a tradição de consumir a folha, e sem restrições, data de, no mínimo, 1800 a .C.

Freud explica – O alemão Sigmund Freud, de acordo com o museu, foi o primeiro consumidor da história do polêmico produto originário da folha, a cocaína. Em defesa da droga, publicou em 1884 o artigo “Uber Coca”. Ainda segundo o estabelecimento, o Pai da Psicanálise inalou cocaína até ter câncer no nariz. Era cocainômano.

A folha possui 0,5% de cocaína alcalóide. Para a produção da famosa droga, a cocaína propriamente dita, a planta precisa ser refinada. No processo são utilizados produtos como éter, acetona, acido clorídrico. O museu reproduz um laboratório químico para a elaboração da cocaína.

Coca-Cola – A cocaína foi extraída pela primeira da folha de coca pelo químico alemão Albert Niemann em meados do século XIX. O pó retirado da folha passou a ser usado em remédios, bebidas. No fim do século, o italiano Angelo Mariani ganhou muito dinheiro com a produção do vinho Mariani, criado a partir do extrato da coca.

Em seguida nasceu a Coca-Cola, “ideal tonic and nerve stimulant”, como dizia o rótulo da época. O nome da bebida é inspirado na planta, retirada do produto algumas décadas depois, segundo a empresa. Atualmente, a fórmula completa da Coca-Cola é um segredo guardado a sete chaves pela companhia, mas o presidente da Bolívia, Evo Morales, afirma que a empresa usa a planta como matéria-prima até hoje.

De “maravilhosa” no século XIX, a folha passou a ser um estorvo em meados do seguinte. Os Estados Unidos proibiram o comércio da planta e a Organização das Nações Unidas (ONU), na década de 60, colocou a folha no rol de substâncias proibidas. As medidas foram baseadas no estudo de um banqueiro americano chamado Howard Fonda. Segundo o estudo, a planta produziria retardo mental e seria a causa da pobreza na América do Sul, especialmente na Bolívia e Peru.

Na década de 80, os Estados Unidos, onde está a maioria de consumidores de cocaína do mundo, financiaram um programa na Bolívia de substituição do cultivo da folha por produtos como o maracujá e o abacaxi. Não conseguiram. Os nativos saíram em defesa de seu sustento (a colheita da folha ocorre até quatro vezes ao ano) e tradição (K’oca, em língua indígena, significa sagrado). Ainda nos anos 80, o então presidente da Bolívia, Paz Estenssoro, decidiu pela erradicação da planta. Inútil.

“Coca não é cocaína”, repete sempre Evo Morales. Também presidente do Sindicato dos Cocaleiros de Chapare, ele quer a legalização da região e a industrialização da planta. A idéia, afirma, é produzir mais produtos com a folha e, assim, evitar a transformação do excedente em matéria-prima para a cocaína.

Nutrientes – A cocaína é apenas um dos produtos derivados da folha de coca (na foto, decoração de uma loja em La Paz). A planta pode ser mascada ou consumida em forma de chás, biscoitos, tortas. Ela possibilita ao usuário até 48 horas sem outra alimentação. Também alivia os efeitos da altitude, típica de países andinos, porque ajuda a oxigenar o sangue pelo corpo, e reduz a sensação de cansaço. Com a coca, os bolivianos ganham resistência para suportar horas de trabalho, como o realizado pelos mineiros da cidade boliviana de Potosí.

De acordo com o museu, cada 100 gramas de folha de coca possui mais fibra, cálcio, gordura e proteínas que a mesma quantidade de frutas, legumes e cereais típicos da América Latina. Em alguns casos, o cálcio, por exemplo, pode ser encontrado até 75 vezes mais na folha. A informação, divulgada pelo museu, faz parte de um estudo da Universidade de Harvard realizado na década de 70. Nessa época, 92% dos homens e 89% das mulheres das áreas rurais bolivianas consumiam a planta.

*Matéria resultante de viagem para a Bolívia em 2006

Sobre a Bolívia, leia também neste blog:
Museu da Coca, Coca-Cola e Freud
Conhecendo a Bolívia
Dicas de transporte, hotéis, cafés...

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