terça-feira, 16 de dezembro de 2008

CRÔNICA- No elevador

Crônica
Por Radígia de Oliveira

Na primeira vez que Ele a viu, a convidou pra sair. Foi de madrugada, sem troca de palavras, sem mais nem menos! Ao deixar o elevador, Ela pensou: “que vacilo ter dito ‘não’. Bem que o elevador poderia ter quebrado...”

Ela tentou recuperar a pisada de bola com um bilhete deixado na portaria do prédio em que moravam. Ela era do 5º; ele, do 3º andar. “Naquele dia, não deu! Mas hoje, estou livre...”, dizia o texto. A resposta chegou quase um mês depois, de repente, de manhãzinha e, de novo, de elevador...

Quando as portas se abriram no 3º andar, lá estava Ele, todo engravatado para o trabalho. Entrou, cumprimentou, falou do bilhete, que tentou responder, que havia ligado, que o telefone estava ocupado, que... que... que... que... e a convidou de novo para sair. Ela aceitou. Não iria vacilar duas vezes. Além disso, era um convite melhor, para a noite, mas feito na lucidez do dia.

De noite, lá estavam os dois. Conversas, toque de mãos... bebida, beijos e beijos na boca. Na volta, velha tática: Ele quis que Ela conhecesse seu apartamento. Ela pediu pra passar em casa antes. Um minutinho só e estaria no 3º andar. Foi tempo suficiente pra tomar banho, colocar um vestido, “esquecer” peças... Segundos depois, lá estavam os dois...

O tempo parou, mesmo assim amanheceu o dia! Ela saiu correndo pra não chegar atrasada ao trabalho. Beijos pra cá, pra lá, tchau, até mais e, de novo, novo convite, agora pra uma festa mais tarde. Ela deu uma de difícil. Disse que tinha outro compromisso, mas que ligaria. Continuou a dar uma de difícil. Então, fingiu não ligar, não ligou. Aí, de madrugada, depois da festa, foi Ele quem ligou pra Ela. Ela retribuiu: “Por que você não vem aqui?”

E Ele foi. Era o início de madrugadas que começariam cada vez mais tarde. Em uma delas, as câmeras da garagem do prédio quase foram testemunhas-coadjuvantes... A Ela, faltou ousadia. Mesmo assim, depois, Ela fantasiou os porteiros alucinados para não perderem nenhuma cena, o freio de mão atrapalhando, reclamação na reunião de condomínio no dia seguinte, a chata da síndica se intrometendo, calor, calor, muito calor...

Um dia, Ela achou que ele se parecia com o gato de telhado de um conto da Lygia Fagundes Telles (ou seria da Maria Clara Machado?). O bichano era, como todos os gatos, independente, notívago, sem dono... Também era desconfiado e meio arisco –assim como Ele, assim também como Ela–mas, quando conquistado, se tornaria o mais e "fiel" dos animais. Mas quanto tempo demora pra se conquistar um bichano assim?

Tempo suficiente pra transformar euforia ou suposta felicidade em ansiedade e espera. Abalos, palavras não ditas ou ditas na hora errada, interpretações mal feitas, vacilos, muitos vacilos... Ele tinha medo de perder a liberdade, e Ela não sabia ser feliz.

Por duas vezes, Ela encheu a casa de velas, perfumou, se vestiu para ser despida... Ele não apareceu nem... Aí, as velas começaram a se apagar. Rapidamente o perfume saiu pela varanda e a lingerie voltou pra gaveta. Foi uma fase silenciosa, estranha... que acabou da mesma forma: silenciosa e estranhamente. Ele não era tão gato de telhado assim, talvez fosse simplesmente gato de madrugada, de cama quebrada, de colchão feio, fino e velho colocado de improviso na sala, mas que fazia Ela sentir calafrios...

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