terça-feira, 16 de dezembro de 2008

CRÔNICA- Pela internet

Crônica
Por Radígia de Oliveira

“Inteligente, interessante, comunicativa, amiga, solidária, bela... Aí você me pergunta: ‘Se é tudo isso, por que precisa buscar alguém pela internet?’. Pois é, eu também tenho muuuitas dúvidas sobre as minhas qualidades... Procuro alguém para também trocar idéias, afinal, sexo é bom, mas a idéias são melhores. Sexo com idéias então!...” Era assim que Ela se apresentava em um site de relacionamentos.

Mais objetivo, Ele dizia: “Tudo em ordem, bem cuidado, funcionando que é uma beleza. Falam do meu sorriso, da harmonia das formas. Moreno, de magro pra forte. Creio que espirituosidade, atenção, estudo, pegada forte, maturidade, bom humor e serenidade exerçam algum magnetismo. Personalidade equilibrada, espírito generoso. Um bom coração, sim. Procuro mulher inteligente para viver relação intensa e verdadeira.”

Aí, Ele escreveu pra Ela: “Olá, tudo bem?. Achei seu perfil interessante e gostaria de conhecer um pouco mais a seu respeito. Estou certo de que teremos muitas afinidades a descobrir. Amizade acima (e antes) de tudo! Mas confesso: seu texto permite antever uma ótima pessoa. E mais, não tenha dúvidas sobre suas qualidades. Net é um caminho, sim, principalmente quando o tempo é pouco e não se está circulando tanto assim. Aguardo seu contato! Beijos.” E deixou e-mail, endereço, telefone, Orkut.

Uma semana depois, Ela ligou pra Ele. Marcaram encontro em um barzinho da cidade. Ela se enrolou no trabalho e chegou uma hora depois, mas Ele ainda estava lá, firme e forte. Reconheceram-se sem dificuldades. Conversa boa, animação, bebida, piadas, nunca riram tanto na vida!... Aí, quando perceberam, 2h30 da manhã. Eram os últimos clientes do bar. Hora de ir embora! Despediram-se com beijos e promessas de novos encontros.

Ele até ligou pra ela na noite seguinte. Celular silencioso, Ela não atendeu.

Três semanas depois, pelo mesmo site de relacionamento, Ela usava outro nick e se apresentava de forma diferente. Estava irreconhecível. O texto de apresentação era uma incógnita: “Sou linda e feia, atraente e sem graça, muito magra e acima do peso, peituda e sem peito, bunduda e sem bunda, lábios grossos e finos, cabelos lisos e crespos... Alguém se habilita? Se você é um homem inteligente, culto, amigo, bem humorado, generoso e másculo (sem ser machista), quem sabe... Quero alguém com coragem para compartilhar conquistas, aventuras, alegrias, tristezas, idéias, segredos... Pode ser você!”

E não é que, sem saber, Ele escreveu pra Ela de novo? Prático, Ele usou praticamente o mesmo texto, com apenas uma diferença. No fim, perguntava: “8 ou 80?”

Impressionada com a versatilidade do moço, Ela respondeu: “Pra mim, é 80. Sendo assim, pergunto se você teria coragem de embarcar na aventura de se encontrar comigo sem nunca ter me visto, sem a gente jamais ter conversado. Bem, EU GARANTO QUE AGRADO, mas você teria de acreditar na minha palavra! E aí, quer ver para crer? Ou pra sentir? É só marcar. Sem msn, sem fotos, sem telefone, sem nada! Beijos!”

A resposta foi imediata. “Moça... tenho medo, não! E olha... como eu poderia querer você ao meu lado sem acreditar no que vc diz? Então eu acredito, com ou sem garantia. Com ou sem garantia em caixa alta. Só um porém: machuquei o joelho, estou de gesso, não posso dirigir. Se eu não posso ir longe e é sem msn, sem fotos, sem telefone, sem nada... então bata na minha porta amanhã, sábado, fim de tarde. Fica tranqüila que não vou correr pra cima de vc. Quer dizer, se o fizer, será de gesso e muletas. Vai encarar?” E deu endereço completo.

Ela encarou. Colocou um vestido azul celeste com leve decote, salto, arrumou o cabelo, passou batom, fez a sobrancelha, saiu. No caminho, sentiu certo calafrio, mas, depois de alguns minutos, lá estava Ela na portaria do apartamento dele. Se identificou com o nick do site e o porteiro mandou subir. No elevador, teve ímpetos de retornar. Tocou a campainha uma vez, ninguém atendeu. Tocou de novo. Naquele momento, amarelou. “Como explicar? O que eu vou dizer a Ele?”, pensou paranóica e, então, desistiu. Quando fazia o caminho de volta, alguém chamou: “Ei, é por aqui”. Lá estava Ele, com muletas e tudo, explicando que Ela havia tocado a campainha errada... Pronto, não havia mais retorno. Quando Ela chegou mais perto, Ele a reconheceu: “Que surpreeesa!”, disse. Ela tremeu.

Ele a convidou pra entrar, sorriu, disse que iria matá-la. E matou mesmo! Antes de sair, Ela fez um café de verdade pra Ele. Despediram-se com beijos na boca, e nunca mais se viram!

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